quarta-feira, 22 de junho de 2011

Aquário



Minha primeira vez foi no carro, de forma alguma parecia o momento adequado quando ela começou – toda a correria da cidade do lado de fora e eu naquela bolha de paz – que passa, querido, queridão? Eu, num ritmo austero, tentando ser gente grande, tomando do trânsito como se eu fizesse parte do sistema imunológico da cidade, o próprio glóbulo branco em defesa do inconsciente coletivo e já um tanto amarelado pelo desgaste, é que não é fácil proteger quem te agride... mas aí ela veio, parecia que estava me lendo, me vendo, me observando, chegou mansa, afrouxando as amarras, sabia que eu não estava preparado para um impacto, então não impactou, nem chacoalhou, imagino que seja essa uma representação de sapiência, e assim sucedeu, minha primeira experiência com o som do Aquário.

Dentro do carro, separado do mundo pela mesma lataria que pretende me inserir nele, eu tive o primeiro entendimento acerca desse nome inusitado de banda (e olhe que já toquei na Pão Com Ovo, Secreção Mucosa e Cotonete do Diabo) - é muito fácil entender que o trio é que está no aquário, tocando pra gente, com aquelas carinhas de bons moços que eles tem mesmo, que eles são os beta-mansos, descansando sua beleza agressiva para nosso deleite, mas vi que o contrário procede mais. Nós é que estamos no aquário! Não sei se alma tem orelha, mas senti que a orelha da minha foi puxada – senta e escuta, galante, isso não é internet, não é droga passageira, não é farra, não é trato social, é a música da sinceridade, coisas que só percebem rapidamente as crianças.

Outro dia um guitarrista da pesada me disse “a história canta, de tempos em tempos aparece alguém pra diminuir o andamento” – em paralelo, uma grande amiga de sabedoria diferenciada me alertou “se querem que respeitemos o limite de velocidade, construam carros que respeitem esse limite” – eu ainda não consegui juntar logicamente as duas frases, mas a galera do Aquário talvez possa ajudar... Sou fã de barulho e de bateria, ou batedeira, poxa, ouvia liquidificador com gelo e aspirador de pó e assim deitava na rede com cara de anjo para ninar – agora meu sono mudou, os caras podem acessar uma parte ainda desabitada da mente, aquela que sabe ouvir, que sabe relaxar, sem pratadas ou bumbadas, sem ataque, é um só deixar que vai, e assim foi.

O sofá na capa – quando vi pensei logo que isso só podia ser coisa de Dudu Belo, que até os 47 anos de idade ainda terá a mesma cara de capa da Contigo, só ele pensaria numa arte conceitual assim, acho que o baixo pode causar isso nas pessoas, não sei, essa coisa de acuidade sensitiva... Se acomode no divã, relaxe, que nós olharemos por vocês, acho que é essa a idéia, não perguntei pois acredito que a dubiedade de compreensão é o melhor caminho para o entendimento extragaláctico...

É a música dos três elementos. O baixo como substrato da beleza incorpora a água, o cavaquinho que adorna e aquece, representa o Sol - aqui esse astro não precisa ser rei, pois nessa música a hierarquia não impera - e aí vem o violão para balançar tudo e criar as ondas douradas, é o vento. Dudu Belo, Pedro Vasconcellos e Rafael dos Anjos, sua criação é inerente à própria natureza – é uma canção que não precisa ser preservada, não está em extinção, ao contrário do que podem pensar por aí, ela está só nascendo, chegando, e de mansinho, obrigado pela leveza...

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