terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Os Dois Poderes I - Carta aos Melhóptimos





Hoje me lembrei de um sonho que foi corrente durante um tempo de minha infância.



A vontade de voar é comum a todo humano e provavelmente a todo bicho que tenha alguma consciência de seus desejos e obviamente não consegue levantar vôo. Imagino que os elefantes enquanto evacuam devem pensar sorrindo: “Caceta, imagina seu eu voasse?!”.


A vida de moleque é tida num ambiente muito mais cinematográfico que a de adulto. Quando menino, eu pensava nas meninas, nos inimigos, nos heróis, no meu desejo de ser um deles (heróis), pra salvar uma delas (meninas) e por aí permeava minha imaginação. Em função desse contexto, uma vez que os sonhos nada mais são do que reflexos do que há no agora de qualquer época – salvo os grandes profetas e os enormes marmotas –, minha plaga onírica, quando não era recheada de belezas inalcançáveis, era palco de perseguições e lutas armadas, quase sempre muito engraçadas, estilo filme chinês; entre eu e o exército do outro lado da força.


O que passou foi que num desses sonhos, de muita briga sem sangue (e isso era um problema. Eu adorava sangue. Só gostava dos ‘Piratas do Espaço’ por que era o único desenho em que morria gente), uma figura tipo Deus da guerra, tipo um mestre dos magos, apareceu pra mim. Num momento de calmaria - quando os vilões ainda não tinham aparecido, as moças ainda estavam seguras e eu ainda conseguia respirar com tranqüilidade para prestar atenção no “mestre” - ele me falou: “Dou a ti, a partir de hoje e para todos os sonhos, para que fujas sem entrar em atrito com teus inimigos, para que não descarregue nos vilões a ira de uma criança cansada de tanta injustiça, para que...” CHEEEEGGGAAA!!! Eu já avistava os homens maus e aquele baixinho esquisito não parava de falar! “Dá logo meu irmão, o que é? Os caras estão chegando!” – falei pra ele. O homenzinho tossiu três vezes, ergueu os braços e aí... Putz!Nada aconteceu. “Por que diabos você ergueu os braços?” “Pra parar de tossir”. Ele estava tirando a maior onda com a minha cara. Mas depois deu um sorrisinho maroto e finalmente completou: “Dou-lhe, a partir de hoje, o poder de voar”. Mas quando eu já ia gritar de alegria ele finalizou  com aquele ar de suspense digno do Zé do Caixão: “mas esse poder só poderá ser utilizado quando você conseguir alcançar o vôo sem que ninguém o veja. Se alguém te ver voando... você cai! Há-há-há”. Na hora não dei muita importância pr’aquela baboseira de cair e saí voando antes que os mauzinhos me alcançassem.


Nesse modelo devo ter vivido alguns vários sonhos adorando o poder a mim confiado. Além do fato de ter uma virtude daquelas que durava mais de um sonho, era uma maravilha ver a cidade de cima e os otários lá embaixo. Nossa! Eu dormia tranqüilo, pois sabia que ia dar uma voadinha a qualquer momento. Aquilo era pra pouca gente. Foi um privilégio concedido ao “pequeno gafanhoto”; Eu.


Durante um bom tempo foi realmente divertido. De repente, comecei a me sentir só. Não podia voar com ninguém, não tinha mais emoção, sem perseguições, sem brigas, sem atrito e, como eu não estava lá, as moças não corriam mais perigo, era como se só eu habitasse meus sonhos.


Cansado desse marasmo decidi ir contra o velho. Sei lá, pra que esse poder todo se não posso mostrar pra ninguém? Era que nem beijar a menina mais bonita da escola e não poder contar pra nenhum amigo!


Na primeira noite depois dessa decisão, na primeira oportunidade, chamei a gatinha do sonho e disse: “quer saber de uma coisa?! Eu posso voar”. Ela riu sem freio. Eu também, pois sabia que podia e que ela iria ficar com-ple-ta-men-te pasma quando aquilo acontecesse. Pois bem, saí correndo todo garantido (eram necessários pelo menos 10 passos de corrida para alçar vôo, segundo as regras do “mais sacana dos magos”) e após o décimo passo dei aquele salto em parafuso, tirando onda. Olhei de lado com a boca aberta de orelha a orelha e mirando a gata dei aquele tchauzinho cínico que é minha especialidade, e o que se seguiu foi uma infinidade de capotagens com pernas em lugar de braços, a cabeça no lugar da bunda, coisa de quem se espatifa pra valer em sonho. E ela rindo, rindo muito, gargalhando ofensivamente.


Naquele momento, além de me sentir um tapadão por não ter dado ouvidos ao “mestre”, já tava era com muita raiva da menina também. Mas pelo menos os vilões apareceram e carregaram aquela chata insuportável de lá antes que eu me tornasse o cara mau da história.


Deitado, fiquei remoendo o meu ódio infantil, apenas aguardando que minha mãe me acordasse para a escola. Tão derrotado eu estava que nem os sujeitos dos “infa” quiseram nada comigo.

Assim termina a história do meu primeiro poder, pois que o feiticeiro metido a besta reapareceu e o tirou de mim. Ele, o baixinho, era tirador de onda mais não era um cara mau. Percebendo minha dificuldade, sabendo de minha molequice e da impossibilidade natural de se guardar segredo naquela idade me concedeu um novo poder.


Mas esse - como o texto já está enorme - eu conto na próxima semana.



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