quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Portal dos Milagres

Era segunda feira chuvosa, dia de esperanças. Segundas, acho que mais do que domingos, são dias de esperança. Toda uma semana pela frente... Tudo bem, ter toda uma semana pela frente pode ser chato, mas insisto na esperança que mora na segunda. Sim, porque na primeira (domingo) mora só o bode, a ressaca e a seqüela. É claro, isso pra uma parcela da população mundial, pois que pra muita gente, no que diz respeito ao trabalho ou à fanfarra, já não há diferenciação entre nenhum dos dias da semana.

Pois sim, era segunda, hora de abrir e-mails, check-up geral, pseudo-organização para dar segmento à semana. Nesse meio tempo tocou o telefone. Era minha garota com uma informação muito importante de que naquele dia se daria um fenômeno denominado Portal dos Milagres, marcado pela emissão, ao nosso querido planetinha, de raios ultra-violeta que atuariam de forma diferenciada em nossa psique, promovendo aumento substancial na faculdade de alteração do cosmo por meio da força da mente... Sim, em teoria, era pensar e acontecer. Desta forma, logicamente, houve uma convocação geral da população para mentalizar o bem comum, um pensamento lindo e único que findaria na remoção do mal mundial - aproveitemos este dia energético para pensar no bem cósmico, já que todos nós humanos, com nossas capacidades de transformação ampliadas, pensando juntos num bem só, tem que funcionar.

Pensei naquilo o dia inteiro, era muita responsabilidade diante de uma oportunidade tão única. Uma outra amiga que mexe com espíritos me falou também dos tais raios, aumentando muito ainda a minha confiança na informação. Fui lá eu pensando em coisas boas: esse disco dará certo (estou gravando um disco), todos ouvirão e se derreterão de paixão, mostrarão para outras pessoas que alimentarão o mesmo sentimento, ficarei famoso... fiquei famoso...

De repente, como num filme, fui tomado de um choque surpreendente, fruto, é claro, dos tais raios que àquela hora já dominavam o planeta. Jornais e revistas com minhas fotos estampadas em suas capas caiam irradiantes, um por cima do outro, por sobre um fundo preto, mostrando como minha fama e meus bens cresciam a cada momento. O sucesso por fim havia chegado, eu agora era rico, ajudava criançinhas - sempre jurei que assim que ficasse rico ajudaria as criançinhas, os velhinhos e todo mundo. Convenci o Osama a ser bonzinho e pedir desculpas em nota oficial ao mundo todo, e isso logo depois de trocar uma breve idéia com o Bush, que iniciou uma campanha de desarmamento nos EUA e depois renunciou, se desculpando aos seres humanos e ao ambiente.

Tanta coisa aconteceu... Garras estranhas e afiadas apareceram em minhas mãos, me tornando um ser extremamente poderoso, que poderia pular de prédios a uma distância sinistra. Sem contar minha força, que deixava o super-homem se cagando. Não brinca! Olhei pra baixo: minha barriga havia sumido! Em seu lugar apareceram morrotes como os de um tanque. Acho que nem Popó abalaria minha estrutura com seus murrinhos de moça!...Ih, o meu cabelo cresceu! Eu que fui careca desde os 17 agora tinha uma cabeleira exuberante que balançava em câmera lenta, feito propaganda de shampoo.

A minha definição muscular era de tal forma, que eu sentia como se cada célula minha fosse um tendão, tensionado e resistente ao extremo, pronto para ter meus braços esticados por dois trens, sem que nenhum deles saísse do lugar.  Minha lindeza era tanta que mal podia andar na rua, pois seu brilho ofuscava a luz do sol, que uma hora dessas já achava melhor se por. E foram tantos acontecimentos, que já era noite... Tantos anos se passaram nessa maré de tantos peixes grandes que eu já era grisalho, ainda indefinidamente lindo, porém já totalmente acostumado ao sucesso. Um cara extremamente maduro, tipo um Dalai Lama do rock.

Depois de um dia tão cheio de shows e entrevistas e assistência social, resolvi dormir. Afinal, astros de brilho eterno também cansam. Adentrei a minha suíte, que ficava na beira da serra, com vista para uma enorme cachoeira e um fundo verde recheado de fauna e flora exuberantes para tudo que é lado, fechei os olhos e, de repente, num passe de mágica, me toquei, e antes de me despedir de minha realidade e cair em meu sono Real e profundo bati a mão na testa e lembrei: Putz! Era pra pensar na paz mundial!!! 

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